21/07/2008 - 16:57 - Atualizado em 16/04/2009 - 16:40
Uma pesquisa do Instituto Akatu, divulgada na semana passada, revelou que 74% dos brasileiros querem comprar produtos que não degradem o meio ambienteJULIANA ARINI E THAIS FERREIRA
CONSUMIDORA CONSCIENTE |
Foi uma calça jeans de R$ 300 que despertou a publicitária Paula Canoletti para a questão ambiental. Ela entrou em casa e foi mostrar sua nova aquisição para o filho de 15 anos. Quando disse que era uma marca muito legal, ele rebateu: “Mãe, essa marca salva baleias, golfinhos ou protege animais em extinção? Se não faz isso, não é uma marca legal”. A crítica soou como um chamado para Paula repensar seus hábitos de consumo. Hoje, ela não faz mais compras por impulso. Também separa o lixo para reciclagem, compra produtos livres de agrotóxico e busca informações sobre o que coloca no carrinho de supermercado. Apesar de estar longe do perfil clássico de consumidor verde, disposto a boicotar os produtos que não são ambientalmente corretos, ela é um exemplo da mudança que está ocorrendo no perfil dos compradores brasileiros.
Uma pesquisa do Instituto Akatu, divulgada na semana passada, revelou que 74% dos brasileiros querem comprar produtos que não degradem o meio ambiente. O instituto é responsável pelos primeiros levantamentos nacionais sobre a relação entre consumo e as responsabilidades sociais e ambientais das empresas. “O que era um nicho de mercado hoje é uma exigência”, afirmou o diretor do Akatu, Hélio Mattar. O consumidor nunca teve tanto poder. “Ao fazer boas escolhas, nós influenciamos uma cadeia de indústrias e fornecedores cuja política ambiental determina o futuro da vida no planeta”, diz Mattar.
Hoje, quase todos os produtos que encontramos em uma prateleira de supermercado possuem algum argumento verde. É o pão produzido com cereais orgânicos, a caixa de bombom com papel que não desmata florestas, o lenço de papel que ajuda a preservar Fernando de Noronha, a pasta de dentes que financia a conservação da Mata Atlântica ou a lata de atum que foi pescada sem matar golfinhos. Existe até uma disputa entre a tábua de cortar carne feita com eucalipto de reflorestamento e outra opção, de madeira de árvores nativas retiradas de forma não-predatória. Como escolher? À medida que as opções se multiplicam, o desafio do consumidor é não se perder em uma nova selva de promessas verdes.
Vender uma boa imagem ambiental virou um negócio para as grandes redes varejistas. Um exemplo disso foi o lançamento de uma parceria entre a rede varejista Wal-Mart e a ONG Conservação Internacional (CI), na semana passada. Desde 2005, o Wal-Mart investe nas lojas próprias e seleciona os fornecedores para reduzir o impacto no meio ambiente. O engajamento ambiental da empresa surgiu quando o diretor da CI, Peter Seligmann, convidou o presidente do conselho de administração do Wal-Mart, Rob Walton, para pescar no Pantanal, aqui no Brasil. A amizade com Walton ajudou o ambientalista a conseguir uma reunião com o atual presidente da empresa, Lee Scott. “A neta de Scott havia acabado de nascer”, diz Seligmann. “E ele estava em um momento de repensar seu papel no mundo, principalmente em relação à questão ambiental e ao futuro que deixamos para nossos filhos e netos. Isso mudou a empresa.”
Hoje, o Wal-Mart tem as metas ambientais mais ambiciosas do mercado. Eles querem zerar a produção de lixo em suas lojas e ter supermercados abastecidos só com energia renovável. No Brasil, já existem duas lojas com esse padrão, ambas na Região Sul do país. “A política do Wal-Mart sempre foi de redução de custos. Hoje, pagamos mais por produtos ambientalmente corretos”, diz o vice-presidente da rede, Steve Dacus, enquanto anunciava a parceria com a CI. “Décadas atrás, isso seria uma heresia para nossos diretores. Mas hoje os próprios consumidores nos mostram que é o único caminho”.
Outras redes varejistas estão seguindo essa tendência, como o grupo brasileiro Pão de Açúcar. A empresa vai inaugurar em junho sua primeira loja verde, com reciclagem de lixo, menor consumo de energia e uma seleção de produtos ecologicamente corretos. A rede francesa Carrefour também quer melhorar sua imagem ambiental. Eles dizem que estão rastreando alguns produtos de seus fornecedores para eliminar práticas que causem prejuízos ecológicos.
Essa onda de compras com boa consciência ambiental surgiu para suprir uma demanda materna. O sociólogo inglês John Elkington, uma das maiores autoridades mundiais em sustentabilidade empresarial e fundador da consultoria Sustainability, foi um dos primeiros a desvendar essa história. “Os pioneiros surgiram na década de 80”, diz. “Eram mulheres divididas em dois grupos. Primeiro, as mães de filhos pequenos preocupadas com o futuro deles. Depois, mães de adolescentes que começaram a questioná-las sobre o que compravam.” Uma história muito parecida com a de Paula Canoletti.
INSPEÇÃO |
As mulheres ainda representam 67% desse público, mas, hoje, o perfil do consumidor consciente mudou. Segundo Elkington, os compradores têm mais informações e questionam mais as empresas. Nos países desenvolvidos, as pessoas são muito ativas em premiar e punir as empresas. Nos Estados Unidos, cerca de 50% das pessoas estão dispostas a boicotar produtos com um passado ambiental ou social suspeito. “Além disso, o movimento foi além das fronteiras tradicionais da Europa e da América do Norte. Outras regiões do mundo, como Japão e Brasil, passaram também a ter grupos organizados de consumidores”, diz.
Os brasileiros estão mais conscientes quando compram. Cerca de 75% dos consumidores nacionais sabem que têm o poder de influenciar nas decisões das empresas. Mas apenas 24% estão dispostos a questionar os produtores diretamente ou boicotá-los. Os dados são da pesquisa do Akatu. O instituto também descobriu que os brasileiros acreditam cada vez menos no marketing verde e social. Caiu de 50% para 39% a taxa de pessoas que confiam na veracidade das ações ambientais e sociais promovidas por empresas. “É um alerta. O consumidor está mais atento”, diz Mattar.
Como explicar a desconfiança dos consumidores? Primeiro, existe uma dificuldade em desvendar os rótulos dos produtos. Isso acontece devido à mistura de falsas promessas com informações reais. “Eu quase comprei um produto que se dizia natural, acreditando que era orgânico”, diz Paula Canoletti. Ela afirma que vasculhou o rótulo, em busca de algum certificado de orgânico ou selo de procedência, e não encontrou nenhuma indicação. “Vi que era falsa propaganda”, diz. Outro engano comum é induzido pela presença do símbolo de reciclagem que acompanha algumas embalagens. “Isso significa que o recipiente pode ser reciclado. Mas nada garante que isso ocorra de fato”, diz Lisa Gunn, gerente de informação do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). “A reciclagem depende de fatores como a coleta seletiva dos municípios e as condições da embalagem descartada.” Outro engano comum são as autodeclarações feitas por empresas. “Existem algumas latas de atum com informação de que a pesca ocorreu sem a morte de golfinhos. Mas não há nada que ateste isso. A empresa não foi auditada por um terceiro”.
Fonte: Época - Ciência e Tecnologia
Fonte: Época - Ciência e Tecnologia